HERÓIS OCULTOS de Max Lucado

pesoCAPÍTULO 3
HERÓIS OCULTOS
Os verdadeiros heróis são difíceis de identificar. Não parecem heróis. Eis aqui um exemplo.
Entre comigo num úmido calabouço na Judéia. Enxergue através de uma pequena janela na porta. Considere o estado do homem que está no chão. Acaba de inaugurar o maior movimento da história. Suas palavras fizeram explodir uma revolução que abrangerá dois milênios. Historiadores futuros o descreverão como denodado, nobre e visionário.
Porém neste momento parece qualquer coisa menos isso. Bochechas chupadas. Barba crescida. Confusão estampada em seu rosto. Inclina-se para trás apoiando-se na fria parede, fecha seus olhos e suspira.
João nunca conheceu a dúvida. Fome, sim. Solidão, com freqüência. Porém dúvida? Nunca. Só crua convicção, pronunciamentos impiedosos e áspera verdade. Tal era João Batista. Convicção tão feroz como o sol do deserto.
Até o momento. Agora o sol está bloqueado. Agora sua coragem mingua. Agora vêm as nuvens. E agora, ao enfrentar-se com a morte, não levanta um punho de vitória; só eleva uma pergunta. Seu ato final não é uma proclamação de valor, mas uma declaração de confusão: "Indaguem se Jesus é ou não é o Filho de Deus".
O precursor do Messias teme o fracasso. "Indaguem se eu disse a verdade. Perguntem se enviei as pessoas ao Messias correto. Pesquisem se tenho estado certo ou se fui enganado" (Veja Mateus 11:2).
Não soa demasiado heróico, verdade?
Preferiríamos que João morresse em paz. Preferiríamos que o pioneiro alcançasse o vislumbre da montanha. Parece ser injusto que ao marinheiro não lhe seja concedida a visão da costa. Depois de tudo, não foi permitido a Moisés uma visão do vale? Não é João o primo de Jesus? Se alguém merece ver o fim dessa senda, não é ele?
Aparentemente não.
Os milagres que profetizou, nunca os viu. O reino que anunciou, nunca o conheceu. E do Messias que proclamou, agora duvida.
João não tem a aparência do profeta que seria a transição entre a lei e a graça. Não tem o aspecto do herói.


Os heróis raramente parecem sê-lo.
Posso agora te conduzir a outra prisão para um segundo exemplo?
Nesta ocasião o cárcere está em Roma. O homem se chama Paulo. O que João Batista fez para apresentar Cristo, Paulo fez para explicá-lo. João limpou o caminho; Paulo erigiu pilares de sinalização.
Como João, Paulo deu forma à história. Como João, Paulo haveria de morrer no cárcere de um déspota. Não houve manchetes que anunciassem sua execução. Nenhuma testemunha registrou os fatos. Quando o machado bateu no pescoço de Paulo, os olhos da sociedade não piscaram. Para eles Paulo era um representante peculiar de uma estranha fé.
Espie dentro da prisão e veja por si mesmo: encurvado e frágil, algemado ao braço de um guarda romano. Eis aqui o apóstolo de Deus. Quem sabe quando foi a última vez que suas costas sentiram um leito ou sua boca degustou uma boa comida? Três décadas de viagens e dificuldades, e que obteve de tudo isso?
Há brigas em Filipos, competição em Corinto, os legalistas pululam na Galácia. Creta está cheia de amantes do dinheiro. Éfeso está cheia de mulherengos. Inclusive alguns dos amigos de Paulo se voltaram contra ele.
Em total bancarrota. Sem família. Sem propriedade. Curto de vista e desgastado.
É verdade que viveu momentos destacados. Falou uma vez com um imperador, mas não conseguiu convertê-lo. Deu um discurso num clube de homens do Areópago, porém não voltaram a pedir-lhe que falasse ali. Passou uns poucos dias com Pedro e os rapazes em Jerusalém, mas ao que parece não lograram entrosar-se, e assim Paulo dedicou-se a recorrer os caminhos.
E nunca se deteve. Éfeso, Tessalônica, Atenas, Siracusa, Malta. A única lista mais longa de seu itinerário foi a de seu azar. O apedrejaram numa cidade e em outra ficou varado. Quase afogou várias vezes, assim como quase morreu de fome. Se permanecia mais de uma semana num mesmo lugar, provavelmente se tratasse de uma prisão.
Nunca recebeu salário. Devia custear suas viagens. Manteve um trabalho em tempo parcial paralelamente para cobrir os gastos.
Não parece um herói.
Também não soa como um. Apresentava-se como o pior pecador da história. Foi um matador de cristãos antes de ser um líder cristão. Em certas ocasiões seu coração estava tão agoniado que sua pena cruzava a página arrastando-se. "Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" (Romanos 7:24, ACF).
Somente o céu sabe quanto tempo ficou olhando a pergunta antes de juntar a coragem necessária para desafiar a lógica e escrever: "Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor!" (Romanos 7:25, ACF).
Num minuto controla a situação; no seguinte, duvida. Um dia prega; no seguinte está em prisão. E é ali onde eu gostaria que olhasse para ele. Veja-o na prisão.
Finja que não o conhece. Você é um guarda ou um cozinheiro ou um amigo do carrasco, e veio para lançar um último olhar no homem enquanto afiam o machado.
O que vê arrastar os pés ao deslocar-se pela sua cela não vale grande coisa. Porém, quando me inclino sobre você e te digo:
— Esse homem determinará o curso da história.
Você ri, mas eu continuo.
— A fama de Nero se desvanecerá perante a luz deste homem.
Você se volta com expressão de assombro. Continuo:
— Suas igrejas morrerão. Entretanto, e seus pensamentos? Depois de duzentos anos seus pensamentos afetarão o ensino de cada escola deste continente.
Você sacode a cabeça.
— Vê estas cartas? Estas cartas rabiscadas em pergaminho? Serão lidas em milhares de línguas e impressionarão todo credo e constituição do futuro. Cada figura de relevância as lerá. Serão todas lidas.
Aí é quando você reage.
— De jeito nenhum. É um homem velho de fé estranha. O matarão e esquecerão antes que sua cabeça bata contra o chão.
Quem poderia discordar? Qual pensador racional opinaria o contrário?
O nome de Paulo voaria como o pó em que haveriam de converter-se seus ossos.
Do mesmo modo os de João. Nenhum observador equilibrado pensaria de forma diferente. Ambos eram nobres, mas passageiros. Denodados, porém pequenos. Radicais, mas inadvertidos. Ninguém, repito, ninguém, se despediu destes homens pensando que seus nomes seriam lembrados por mais de uma geração.
Seus companheiros simplesmente não tinham forma de sabê-lo... e nós também não.
Por isso, seu vizinho poderia ser um herói sem que você soubesse. O homem que troca o óleo de seu carro poderia ser um. Um herói em roupa de serviço? Talvez. Quiçá ao trabalhar ele ora, pedindo a Deus que faça ao coração do motorista o que ele faz com seu motor.
E a encarregada da creche onde você deixa seus filhos? Talvez. Quiçá suas orações matinais incluam o nome de cada criança e o sonho de que algum deles chegue a mudar o mundo. Quem sabe se Deus não ouve?
A oficial encarregada dos que estão em liberdade condicional? Poderia ser uma heroína. Poderia ser a que apresenta um desafio para um ex-condenado para que desafie os jovens para que pela sua vez provoquem às gangues.
Eu sei, eu sei. Estas pessoas não encaixam em nossa imagem de um herói. Parecem demasiado, demasiado... bom, demasiado normais. Queremos quatro estrelas, títulos e manchetes. Porém algo me diz que para cada herói sob os refletores, existem dezenas que estão nas sombras. A imprensa não lhes presta muita atenção. Não atraem multidões. Nem sequer escrevem livros!
Mas detrás de cada avalanche há um floco de neve.
Detrás de uma avalanche de rochas, há uma pedrinha.
Uma explosão atômica começa com um átomo.
E um avivamento pode começar com um sermão.
A história o demonstra. John Egglen nunca tinha pregado um sermão em sua vida. Jamais.
Não é que não desejasse fazê-lo, só que nunca teve a necessidade de fazê-lo. Porém uma manhã o fez. A neve cobriu de branco sua cidade, Colchester, na Inglaterra. Quando acordou essa manhã de domingo de janeiro de 1850, pensou em ficar em casa. Quem iria à igreja em meio a semelhante condição climática?
Mas mudou de idéia. Além de tudo, era um diácono. E se os diáconos não iam, quem o faria? De modo que calçou as botas, colocou o chapéu e o agasalho, e percorreu as seis milhas até a igreja metodista.
Não foi o único membro que considerou a possibilidade de ficar em casa. Ainda mais, foi um dos poucos que assistiram. Somente havia treze pessoas presentes. Doze membros e um visitante. Até o ministro foi impedido pela neve de ir. Alguém sugeriu que voltassem para casa. Egglen não aceitou essa possibilidade. Tinham chegado até ali; haveria uma reunião. Além disso, havia uma visita. Um menino de treze anos.
Porém, quem pregaria? Egglen era o único diácono. Tocou a ele.
Assim que o fez. Seu sermão só durou dez minutos. Dava voltas e divagava e ao fazer um esforço por destacar vários pontos, não remarcou nenhum em especial. Porém, no final, um denodo pouco comum se apoderou do homem. Levantou a vista e olhou direto para o rapaz, e lhe apresentou um desafio: "Jovem, olhe para Jesus. Olhe! Olhe! Olhe!".
Produziu alguma mudança esse desafio? Permitam que o rapaz, agora um homem, responda: "Sim, olhei e ali mesmo se dissipou a nuvem que estava sobre meu coração, as trevas se afastaram e nesse momento vi o sol".
O nome do menino? Charles Haddon Spurgeon. O príncipe dos pregadores da Inglaterra.
Egglen soube o que tinha feito? Não.
Os heróis sabem quando realizam atos heróicos? Poucas vezes.
Os momentos históricos são reconhecidos como tais quando acontecem?
Já sabe a resposta a essa pergunta. (Se não, uma visita ao presépio lhe refrescará a memória). Raramente vemos a história quando ela é gerada e quase nunca reconhecemos os heróis. E melhor assim, pois se estivéssemos sabendo de algum dos dois, provavelmente estragaríamos ambos.
Porém seria bom que mantivéssemos os olhos abertos. É possível que o Spurgeon de amanhã esteja cortando sua grama. E o herói que o inspira poderia estar mais perto do que você imagina.
Poderia estar no seu espelho.

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